HEITOR VILLA-LOBOS E O NACIONALISMO MUSICAL

03/12/2020 11:48



Mara Coelho Maximiano

      (Mara Max)


Resumo


O presente artigo retrata as contribuições do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos para a estruturação e a consolidação da música brasileira, com ênfase no regaste de nossas raízes nacionais.

Palavras-Chave: Modernismo; Nacionalismo; Villa-Lobos.


Abstract


This article portrays the contributions of the conductor e composer Heitor Villa-Lobos to the structuring and consolidation of Brazilian music, with an emphasis on what represents our national roots.

Keywords: Modernism; Nationalism; Villa-Lobos.

 

INTRODUÇÃO


A musicalidade está no cerne da formação do povo brasileiro. Se, em seu "Ensaio sobre a música brasileira", Mário de Andrade criticava o fato de que se deveria buscar no aborígene as nossas raízes (ANDRADE, 1928), é porque o povo brasileiro é a síntese do encontro de três raças. Europeus, índios e negros, cada qual com a sua influência, delinearam juntos o esboço de uma estrutura musical que, apenas por volta do início do século XX, ganhou um viés caracteristicamente nacional. Antes, o componente europeu predominava, até mesmo, sobre aquelas composições que, em seus aspectos literários, guardavam certa conotação mais nacional. A descoberta de uma linguagem musical peculiarmente brasileira, tem na vanguarda do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos seu principal expoente. Ao percorrer o país, resgatando traços representativos das diversas culturas regionais e os agregando em uma obra capaz de associar, de maneira singular, influências eruditas a populares, Villa-Lobos contribuiu de maneira ímpar para a formação do legado musical brasileiro.


ALMA BRASILEIRA


Nascido em uma família de músicos, em 1887, Heitor Villa-Lobos teve, em seu pai, o seuprimeiro e maior mestre. Em entrevista concedida a Magdala da Gama Oliveira, em 1957, Heitor Villa-Lobos relembra traços de sua infância que contribuíram para delinear e fundamentar sua formação musical. "Desde a mais tenra idade, iniciei a vida musical pelas mãos de meu pai, tocando um pequeno violoncelo" (apud MARIZ, 2005, p.137). Segundo Villa-Lobos, o pai "além de ser homem de aprimorada cultura geral e inteligência, era um músico prático, técnico e perfeito" (apudMARIZ, 2005, p.137). Conforme é possível evidenciar, este convívio precoce com o fazer musical,despertou em Villa-Lobos o interesse e as condições de desenvolver um talento que lhe era nato. Acredito que, ao apreciar os ensaios ocorridos na casa dos pais, Villa-Lobos pôde agregar, de forma gradual, os fundamentos de uma musicalidade que seria estruturada ao longo de anos de estudos práticos e pesquisas realizadas junto às diversas localidades brasileiras.


A busca de uma arte que traduzisse a identidade nacional fez com que Villa-Lobos se tornasse um dos grandes ícones do modernismo musical brasileiro. Na década de 30, a percepção de que era necessário extrair uma brasilidade tanto das artes quanto da política, fez com que os ideais de Villa-Lobos fossem ao encontro das propostas modernistas e nacionalistas que norteavam o panorama político e artístico-musical do momento. Sua amizade com Mário de Andrade e outros expoentes da educação e cultura, culminaram, também, com sua indicação, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, para liderar a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), por meio da qual promoveu o canto orfeônico nas escolas brasileiras.


Observo que uma das principais características de Villa-Lobos foi a sua capacidade de caminhar e, por vezes, unir elementos de dois campos musicais distintos: o erudito e o popular. Com João Pernambuco, incorporou a estrutura do violão popular e conferiu a este instrumento uma obra de referência na formação de qualquer violonista erudito. Sua série de prelúdios, estudos, mazurcas e choros para violão representam uma mostra singular das possibilidades sonoras desteinstrumento e culmina com seu Concerto para Violão e Orquestra.  


O rompimento com uma forma tradicional e, sobretudo, europeia de compor é o traço distintivo de Villa-Lobos, tornando-o, portanto, um dos maiores representantes da música brasileira de concertos. As suas composições adquirem os mais variados formatos, mas guardam entre si a relação com o que é característico de nossas terras. Sua admiração por Johan Sebastian Bach se traduz em uma releitura dos Concertos de Brandenburgo, agora impregnados por componentes de nossa identidade nacional. O folclore brasileiro conferiu por princípio, as bases morfológicas de uma obra monumental. Penso que o conjunto constituído por nove Bachianas, cada qual guardando também um título nacional, representa a consubstanciação, em termos sonoros, de um Brasil refletido na genialidade estética de Villa-Lobos, mas igualmente guiado pela genialidade composicional de Bach.


Villa-Lobos é, certamente, a incorporação da "alma brasileira". Interpretar ou apreciar Villa-Lobos é, para mim, vivenciar um Brasil resgatado de suas próprias entranhas. Cada traço da natureza reverbera nas harmonias deste compositor fenomenal, cujo legado ficará para sempre impregnado em nossas trajetórias e mentes.


CONCLUSÃO


Discorrer sobre Heitor Villa-Lobos é, sobretudo, resgatar nossa identidade musical. Acredito que nenhum outro compositor brasileiro, de música erudita, soube se apropriar, com tamanha propriedade, dos componentes de sua própria cultura e traduzi-la com estética e harmonia em obras singulares e monumentais. Como nos revela o poeta Manuel Bandeira, Villa-Lobos "era um gênio mesmo, o mais autêntico que já tivemos, se é que algum dia tivemos outro" (apud NESTROVISKI,2005, p. 223). Que o legado de Heitor Villa-Lobos possa nos conduzir ao reencontro com as nossas raízes e, assim, nos restituir, em essência, a alma brasileira. 

 

REFERÊNCIAS


ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins, 1962 [1928].

BOSI, A. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2009.

HOLANDA, S.B. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

MARIZ, V. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

NESTROVSKI, A. Notas Musicais. Do Barroco ao Jazz. São Paulo: Publifolha, 2005.

RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.


   
( * ) Mara Coelho Maximiano é Licenciada em Música pela UNINCOR e é menbro do ANTIQUE

   ** Artigo escrito para a disciplina História da Música Brasileira/ Universidade Vale do Rio Verde _ UNINCOR

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