SOCIEDADE: UMA OBRA DE ARTE?

10/07/2011 20:07

Ereny Sales

          A arte é a prova viva da existência da humanidade. Os nossos mais remotos ancestrais, em busca da própria sobrevivência ou da do grupo a que pertenciam, foram capazes de criar, inventar e recriar a partir dos materiais de que dispunham: pedra, pau, barro, dentre outros. Ao esculpir, desenhar ou pintar, eles construíram conhecimento e o transmitiram às sucessivas gerações. Dessa forma, a arte tornou-se produto do ser humano, “ao estudá-la, estuda-se também o homem, assim como, ao estudar o homem, em algum momento, estuda-se a arte” (ZAGONEL, 2008, p.32).

 

             Em nosso constante diálogo com o mundo, a arte é um dos principais instrumentos; por meio dela, comunicamos e expressamos nossos sentimentos em variadas formas e múltiplas linguagens. Nos registros históricos, lemos que o homem primitivo, antes de escrever, desenhou nas paredes das cavernas. Deduz-se, que ao reproduzirem as imagens, eles não estavam simplesmente fazendo arte, mas criando linguagem, forma de expressão e comunicação, que regeria suas relações em sociedade. Os símbolos foram, portanto, criados para significar ou interpretar algo que possa definir a identidade de indivíduos, povos ou grupos sociais. Por intermédio das manifestações artísticas, podemos descobrir as características próprias de cada cultura e referendá-las a épocas diversas.

 

            A partir das pinturas das cavernas, foi-nos possível entender a vida humana em épocas remotas. Com a arte greco-romana, compreendemos estilos, equilíbrios, proporções, harmonia, simplicidade etc. Com os estilos predominantes em cada época _barroco, arcadismo, romantismo e outros _, as gerações subseqüentes enriqueceram-se ao apropriarem-se de novas formas de compreensão do mundo e de expressão de suas relações em sociedade. No contato com pinturas e afrescos presentes nas igrejas barrocas, defrontamo-nos com preciosidades deste estilo e encantamo-nos com a capacidade humana de criar, por meio de discurso artístico, formas de registrar o modus vivendi de uma época e de nele intervir. A título de ilustração, obras como as do compositor Johann Sebastian Bach (1685), ao adotarem o discurso polifônico e registrarem quase que perfeição da criação humana em singeleza, beleza e harmonia, tornaram-se referência na forma barroca de discorrer sobre o mundo seiscentista e de retratar concepções e valores presentes naquela época.

 

          Já no limiar do século XX, surgem formas bastante heterogêneas de perceber, registrar e intervir no mundo em formação. A arte moderna desponta deteriorando regras, criando novas formas de compreender o mundo e de com ele interagir. A partir de concepções artísticas diferenciadas, vinculadas pelo sufixo “ismo”_ Fauvismo, Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo, dentre outros_ os modernistas abusaram da criatividade e da liberdade para questionar ou retratar os padrões vigentes.

 

          Seja na pré-história ou na contemporaneidade, a arte produzida não pode ser compreendida apenas em termos estéticos. A função social da arte é praticamente indissociável do objeto de arte em si. Apreciar uma obra de arte é lançar o olhar para além do objeto e, assim, penetrar-lhe as origens. Para compreender o artista e sua obra, é necessário inquirir sobre as motivações que o impulsionaram durante o processo de criação. Na maioria dos casos, as motivações têm origens nas inquietações resultantes da interação entre o homem e meio sociopolítico e econômico que o circunda. Sob este prisma, objetos que hoje compreendemos como obras de arte pura e simples, foram, em sua essência, veículos de expressão da cidadania.

 

            Refletir sobre a arte é, portanto, considerar sua importância na formação do sujeito e da sociedade. Segundo Foucault, a arte não deve ser vista como objeto estético_ externo ao individuo_ e sim como instrumento_ modo de ser e se relacionar com o entorno_ que permita aos seres humanos expressarem-se e intervirem na sociedade.

 

           Se entendermos que por intermédio da arte é possível uma relação de aprendizagem, pode-se dizer que, entre tantas, a arte tem função singular: a de contribuir para preparar o sujeito para viver em sociedade e fazer de sua vida obra de arte. Nesse caso, a arte pode proporcionar transformação do ser humano por meio da sensibilidade e da criatividade, tornando-o consciente de sua ação transformadora na formação de sociedade melhor e mais justa.

 

(*) Ereny Ferreira Sales é mestranda em Ciência Política e integrante do Grupo ANTIQUE.

 

Bibliografia: 

         FERRARI, Anderson. Sujeitos, Subjetiviades e Educação, Editora:UFJF, 2010

         ZAGONEL, Bernadete. Arte na educação escolar, Curitiba: Ibpex, 2008.

 

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